domingo, 8 de julho de 2007

O que NY fez comigo

Eu não falo de NY com a propriedade de quem vai sempre pra lá, não conheço tudo e não fiz o circuito do que há de mais moderno e bacana para se fazer na grande maçã. Mas nesses 10 dias em que estive lá, alimentei essa sensação de que ela me pertence e de que eu pertenço a ela. Com a idade me reconheço um ser cada vez mais urbano e é na cidade onde eu me acho mesmo. Em questão de alguns dias, já estava absolutamente inteirada com qual bairro é onde e com qual linha de metrô ou de ônibus chegaria ao tal lugar. Não sem um mapa, óbvio, mas o simples fato de uma cidade ter um mapa com uma teia complexa de tranporte público, já me é absolutamente sedutor. Eu pegava todos os mapas de transporte que eu via pela frente e ficava estudando, me locupletando com os vários possíveis caminhos para cada lugar. Depois, andava em direção às estações como se eu soubesse exatamente para onde estava indo, e sabia mesmo, já tinha decorado tudo e me sentia parte daqueles percursos, os adorava como se fossem meus. A sensação de que posso estar em qualquer canto de uma cidade, basta olhar no mapa o percurso e voilá, em no máximo 40 minutos estou aonde quiser, é demais pra mim. É muita felicidade!

Nos primeiros dias, descia do metrô em downtown e ia subindo a pé pelo east, depois pelo west. Para ver a cidade, entender como um bairro vira o outro e como a identidade de cada um fazia o nome da área mudar, já que a malha urbana de NY é absolutamente contínua e não é pela forma que os bairros se diferenciam. Depois, quando eu ia encontrar amigos ou ia a algum lugar, reconhecia os bairros e ficava feliz!

Da cidade em si, eu falo mais depois.

Agora, eu adorei o jeito que as pessoas vivem, do modo de vida Novaiorquino. Claro que eu não passava de uma turista com o dia inteiro para saracotear, e tenho noção que o olhar do turista é muito distante da vida real das pessoas que moram lá. Mas eu fiquei na casa de amigos que moram lá, e vivi um pouco da rotina deles, vi o que eles fazem quando não estão trabalhando, porque é fato que em NY as pessoas vivem pra trabalhar, mas quando não estão trabalhando têm essa cidade magnífica para desfrutar. Sair do trabalho e ir a um show de música indiana no Rubin Museum numa terça-feira, ir a uma festa no Harlem numa quinta, ir a um pocket show de monstos do jazz no St. Nick's, way up into Harlem, ir a um evento num prédio no west village numa sexta e de lá ver a cidade inteira de um lado e New Jersey ao fundo do Hudson River com a West Highway logo ali na frente, sair de lá a pé à uma da manhã e atravessa o village, sentar para um derradeiro drink no soho antes de chegar em casa e ir dormir feliz! E o melhor, combinar de se encontrar na estação de Astor Place, para de lá ir jantar num bistrozinho charmosíssimo da west village. Isso foi o que me ganhou. Foi o que me fez suspirar e pensar: é essa a vida que eu quero pra mim!

As pessoas andam a pé, combinam de se encontrar na estação do metrô, para de lá chegarem juntas ao programa combinado, vão correr no parque, comem hot-dog na rua, saem à noite de metrô, a pé, vão em bistrôs charmosíssimos, onde se come por muito menos do que os similares paulistanos! Jovens adultos perto dos 30 têm emprego e dinheiro para pagar o aluguel, guardar um pouquinho, fazer umas comprinhas, sair de vez em quando, fazer planos. Sim, planos! Lá os jovens adultos podem sonhar. Pensam em comprar casa, ter filhos, viajar o mundo. Isso não é luxo de quem sonha às custas do dinheiro dos pais, ou de vender a alma às grande corporações, ou à estabilidade de um emprego público medíocre. Lá, emprego com salário justo é direito do cidadão, do intelectual, do boêmio, do perdido, do trabalhador e do esforçado, e não privilégio para poucos!

E é tão gostoso! Aproveitar a vida numa cidade grande, cosmopolita.

Se a gente não aproveita o que de bom a cidade tem pra oferecer, ela de fato nos sufoca. Viramos reféns do trânsito, do barulho, da loucura de uma cidade grande. Mas, quando ela nos pertence e nós pertencemos a ela, numa caminhada só, mas nunca solitária, onde as calçadas, praças, estações de metrô e outros milhões de pessoas nos acolhem com seus sonhos e planos, guardados em seus olhares, então, aí então, somos homens da cidade. cidadãos. Não queremos mais o carro do ano ou a bolsa da moda ou o jantar no restaurante x. queremos um carro, sim, precisamos de uma bolsa e vamos sair pra jantar com nossos amigos. Mas qualquer uma que for vale, porque a cidade é para todos e em todo canto tem um restaurante bacana, acessível, até onde você chega a pé, acompanhado do teu amigo que te encontrou na estação de metrô, vindo de um canto oposto ao de onde você veio na cidade. E todos vão pra casa felizes, com seus sonhos e planos intactos!

Voltei com aquela velha idéia de quem acabou de chegar de viagem:

- Ah, mas é sempre aquela história. A gente anda de metrô em NY e chega em SP e acha ruim pegar busão.

Parei pra pensar nisso e vi que não. Eu ando de busão aqui, sim senhor. Eu ando a pé e tento levar essa vida de gente urbana. Eu gosto da cidade, me sinto acolhida por ela. Mas aqui, isso é um evento solitário, uma atitude extra-terrestre, e nem vou começar a falar do estado das calçadas, da condição do pedestre. Mas aqui, todo mundo anda de carro, sai à noite de carro que ganhou do pai, depois enche a cara e volta dirigindo embreagado ou alienado pela própria balada ou reclamando da vida dura que esse país impõe aos jovens adultos sonhadores. Aqui, você precisa ser muito rico pra bancar uma vida classe média! E a classe média só pensa em ser elite! Bacana é ser exclusivo, é se considerar diferenciado, é ter o que os outros não podem ter.

Pra ser ter estilo, gasta-se os tubos, sair pra jantar num lugar bacana é um assalto, e a verdade é que ou você é da classe que pode, que ganha carro, casa, mesada pra ser mais clara, ou você é da classe que anda de busão... ou você é bem educado e gosta de arte ou você é ralé e escuta música que toca no rádio. Ou você tem grana pra comprar roupa em loja exclusiva ou, como diz uma amiga, fica com cara de pobre usando roupa CeA.

A cidade não é para todos, a vida aqui não é para todos e nem tem a pretensão de ser. O ponto de ônibus é para empregada ir pra casa depois de lavar a louça que você não se digna a lavar, escola pública é para o filho do porteiro e praça é dormitório de vagabundo. Enquanto isso, a rica classe média vai se afastando da cidade, reclamando da cidade, se trancafiando em pequenas cidades e panelas, formando pequenos guetos bem guardados, dentro da maior cidade do país, que no fim das contas, não passa de uma grande cidade pequena, provinciana e chata, sim, chata para quem, de fato, quer compor uma classe intermediária, honesta e viver uma vida urbana, digna de uma grande cidade, digna de sonhos compartilhados.

NY fez isso comigo.

Me deixou extremamente saudosa de uma vida urbana, leve, acessível, despretensiosa, civilizada e feliz!

2 comentários:

lufec disse...

camila obniski: como vc ousa escrever um texto desse naipe? vamos voltar, pelamor, pelamor. foda. muito do que andei pensando. mesmo. e esse lance de que ser solitario em NY nao e' ser soliterio na verdade e ser solitario em SP e' ser solitario na verdade e' foda. essa coisa de NY ter ensinado a desvendar uma cidade e chegar aqui e nao poder desvendar uma cidade tb. ai. e agora?

cami disse...

ai lu, e agora também não sei. mil coisas na cabeça. mila conversas pra gente ter tomando café e fazer um plano mirabolante. um projeto NY! amo que você veio aqui comentar!